"Minha querida amiga Cora Coralina: Seu "Vintém de Cobre" é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia (...)."

Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Oração do Milho


Senhor, nada valho!

Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres.
Meu grão perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e hastes e se me ajudardes, Senhor, mesmo planta de acaso solitária, dou espigas e devolvo, em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura, não me pertence a hierarquia tradicional do trigo e de mim não se faz o pão alvo universal.
O Justo não me consagrou o pão da vida, nem lugar me foi dado nos altares, sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra onde não vinga o trigo nobre; sou de origem obscura e de ascendência pobre, alimento dos rústicos e animais de jugo.
Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques coroados de rosas e espigas; quando os hebreus iam em longas caravanas buscar na terra do Egito o trigo dos faraós; quando Rute respigava cantando nas searas de Booz e Jesus abençoava os trigais maduros, eu era apenas o Bró, nativo das tabas ameríndias.
Fui o angú pesado e constante do escravo na exaustão do eito,
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante, Sou a farinha econômica do proletário,
Sou a polenta do imigrante e amiga dos que começam a vida em terra estranha,
Alimento de porcos e do triste mu de carga, o que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro,
Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paióis,
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado,
Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece,
Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos,
Sou a pobreza vegetal agradecida a vós, Senhor, que me fizeste necessário e humilde.

Sou o milho!

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