"Minha querida amiga Cora Coralina: Seu "Vintém de Cobre" é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia (...)."

Carlos Drummond de Andrade

sábado, 9 de abril de 2011

Velho


Estás morto, estás velho, estás cansado!
Como um suco de lágrimas pungidas
Ei-las, as rugas, as indefinidas
Noites do ser vencido e fatigado.

Envolve-te o crepúsculo gelado
Que vai soturno amortalhando as vidas
Ante o repouso em músicas gemidas
No fundo coração dilacerado.

A cabeça pendida de fadiga,
Sentes a morte taciturna e amiga,
Que os teus nervosos círculos governa.

Estás velho estás morto! Ó dor, delírio,
Alma despedaçada de martírio
Ó desespero da desgraça eterna.


sábado, 2 de abril de 2011

Velho Sobrado


Um montão disforme. Taipas e pedras,

abraçadas a grossas aroeiras,

toscamente esquadriadas.

Folhas de janelas.

Pedaços de batentes.

Almofadados de portas.

Vidraças estilhaçadas.

Ferragens retorcidas.

Abandono. Silêncio. Desordem.

Ausência, sobretudo.

O avanço vegetal acoberta o quadro.

Carrapateiras cacheadas.

São-caetano com seu verde planejamento,

pendurado de frutinhas ouro-rosa.

Uma bucha de cordoalha enfolhada,

berrante de flores amarelas

cingindo tudo.

Dá guarda, perfilado, um pé de mamão-macho.

No alto, instala-se, dominadora,

uma jovem gameleira, dona do futuro.

Cortina vulgar de decência urbana

defende a nudez dolorosa das ruínas do sobrado

- um muro.

Fechado. Largado.

O velho sobrado colonial

de cinco sacadas,

de ferro forjado,

cede.

Bem que podia ser conservado,

bem que devia ser retocado,

tão alto, tão nobre-senhorial.

O sobradão dos Vieiras

cai aos pedaços,

abandonado.

Parede hoje. Parede amanhã.

Caliça, telhas e pedras

se amontoando com estrondo.

Famílias alarmadas se mudando.

Assustados - passantes e vizinhos.

Aos poucos, a " fortaleza " desabando.

Quem se lembra?

Quem se esquece?

Padre Vicente José Vieira.

D. Irena Manso Serradourada.

D. Virgínia Vieira

- grande dama de outros tempos.

Flor de distinção e nobreza

na heráldica da cidade.

Benjamim Vieira,

Rodolfo Luz Vieira,

Ludugero,

Angela,

Débora, Maria...

tão distante a gente do sobrado...

Bailes e saraus antigos.

Cortesia. Sociedade goiana.

Senhoras e cavalheiros...

-tão desusados...

O Passado...

A escadaria de patamares

vai subindo... subindo...

Portas no alto.

À direita. À esquerda.

Se abrindo, familiares.

Salas. Antigos canapés.

Cadeiras em ordem.

Pelas paredes forradas de papel,

desenho de querubins, segurando

cornucópia e laços.

Retratos de antepassados,

solenes, empertigados.

Gente de dantes.

Grandes espelhos de cristal,

emoldurados de veludo negro.

Velhas credências torneadas

sustentando

jarrões pesados.

Antigas flores

de que ninguém mais fala!

Rosa cheirosa de Alexandria.

Sempre-viva. Cravinas.

Damas-entre-verdes .

Jasmim-do-cabo. Resedá.

Um aroma esquecido

- manjerona.